Quem diria que um clube que não apenas começou no remo, mas começou dando papelão nas regatas, se tornaria o mais popular clube de futebol do Brasil. Um grupo de amigos que se reunia no Café Lamas, no Largo do Machado, comprou seu próprio barco, fundou em novembro de 1895 o Grupo de Regatas do Flamengo e fez algumas tentativas – várias frustradas – de competir contra os maiores grupos de remo da época. Vestindo azul e dourado durante pouco mais de um ano, o clube custou para emplacar nas águas. Quando isso aconteceu, já era rubro-negro e já começava a olhar com curiosidade o movimento de popularização do futebol.
Tomemos Alberto Borgerth, por exemplo: de manhã, remava no Flamengo; à tarde, jogava bola no Fluminense. Tinha que ser assim: o Fla não era filiado a nenhuma liga de esportes terrestres (é...), apesar de que desde 1903 já arriscava alguns amistosos no estádio do Paissandu Atlético Clube. Assim foi até 1911, época em que o Tricolor das Laranjeiras vivia uma crise interna. Borgerth liderou uma diáspora que levou gente como Othon e Píndaro para o Flamengo. Era o que faltava para o clube começar a levar adiante a idéia de ser anfíbio: foi criado o Departamento de Esportes Terrestres e o time de futebol, que estreou oficialmente em 3 de maio de 1912, com uma fantástica goleada por 15 x 2 sobre o Mangueira.
Dois meses depois, os recém-tornados rubro-negros viram o Fluminense se vingar, com vitória por 3 x 2 no primeiro Fla-Flu da história. Mas, com a base que adquiriu já montada, o Flamengo logo obteve êxito e, com os gols do artilheiro Riemer, chegou ao bicampeonato de 14/15. Em 1920, o primeiro título “na terra e no mar”, coincidindo com a rapaziada do remo: foi o que abriu mais um bicampeonato, de 20/21, em que se destacaram Candiota, Junqueira, Sidney e Nonô – artilheiro também do título de 1925. Outro ano marcante foi o de 1927, quando o Flamengo foi suspenso da Associação Metropolitana de Esportes Atléticos - por ter emprestado seu campo de treinos ao Paulistano - e perdeu quase todo o seu elenco. Os torcedores não admitiram, exigiram a revisão da decisão e, com uma atuação corajosa do atacante Moderato, que jogou a decisão contra o Vasco dois dias depois de uma cirurgia de apendicite, levou mais uma taça. Além dela, ainda saiu daquele ano eleito “o mais querido” em votação feita pelo Jornal do Brasil.
O terreno em que o Mengo mandava seus jogos, arrendado pela família Guinle, teria que ser devolvido ao fim do contrato, em 1931. Por isso, o clube tratou de agilizar o aumento do patrimônio e a possibilidade de construir um estádio próprio. Quando a prefeitura do Rio cede uma área na região da Lagoa Rodrigo de Freitas, fica decidido que o projeto da vez seria erguer o estádio da Gávea. Não por acaso, foi nesse período que o Flamengo viveu seu maior jejum de títulos: até 1939, ano em que um timaço formado por Valido, Jarbas, Yustrich, Domingos da Guia e Leônidas da Silva passou por cima de todos os adversários e impediu, pela segunda vez em sua história, um tetracampeonato do Fluminense. Os tricolores, porém, tinham uma grande equipe, que voltou a conquistar o título estadual em 40 e 41.
Cansado do domínio dos rivais, o presidente flamenguista Gustavo de Carvalho decidiu dar carta branca para o técnico Flávio Costa montar a o time que quisesses. E então surgiu uma verdadeira máquina, que tomou o Rio de Janeiro de assalto entre 42 e 44: apareceu Thomas Soares da Silva, o genial Zizinho – para muitos, o maior jogador do Brasil antes de Pelé – além Biguá, Jaime, Valido e o grande artilheiro Pirilo. Apesar de Jair da Rosa Pinto no meio-campo ao lado de Zizinho, o Flamengo não consegue o tetra: fica até o começo da década de 50 sem conquistar títulos. Pior: passa seis anos sem bater o Vasco, vê Zizinho ser vendido para o Bangu e a camisa de Jair ser queimada. Resumindo: era tempo de crise.
Nem o retorno de Flávio Costa – que havia saído para comandar o “Expresso da Vitória” vascaíno – resolve o jejum. Os dias de alegria só retornam à Gávea com a chegada de outro treinador, o paraguaio Fleitas Solich, que traz três conterrâneos seus, Benítez, Chamorro e García, e os escala junto a Jordan, Dequinha, Moacir e um ataque poderoso, com Joel, Evaristo de Macedo, Zagallo e Dida.
Foto: Gazeta Press
Almir Pernambuquinho em ação com a camisa do Flamengo
Era bom o bastante para mais um tricampeonato: entre 53 e 55, só deu Flamengo. Outra vez, o timaço foi desfeito, e o rubro-negro precisou esperar mais algum tempo até que a geração de Carlinhos, Nelsinho, Gérson e Almir Pernambuquinho desse ao clube seu primeiro título fora do Estado, o Rio-São Paulo de 61, e os títulos estaduais de 63 e 65. Depois daquilo, nos anos seguintes, o grande time do Botafogo tomou conta do Estado, e o feito mais digno de nota (ainda que negativa) por parte de um flamenguista foi a briga dantesca iniciada por Almir Pernambuquinho no Maracanã em 66, num jogo contra o Bangu.
As duas coisas parecem distantes uma da outra, mas a verdade é que aquela entressafra do final da década de 60 foi o que preparou a ascensão do grupo que faria do Mengo um dos clubes mais vencedores do Brasil. Ainda em 67, chegava ao juvenil da equipe, fraquinho e aparentemente inofensivo, um habilidoso meia nascido no bairro de Quintino.
Zico estreou entre os profissionais no ano de 71 e foi absolutamente coadjuvante no título carioca de 72 – ano em que Jorge Bem imortalizou o desengonçado e adorado Fio Maravilha. Foi só dois anos depois, em mais uma conquista rubro-negra, que o garoto passou a ser titular. Em outra vitória, a de 78 – com gol do “Deus da raça” Rondinelli – Zico já brilhava, comandando aquilo que seria um tricampeonato, junto a Júnior, Andrade, Nunes, Cláudio Adão e Tita, além dos veteranos Raul Plassmann e Carpegiani. Com um esquadrão e a moral de quem era tricampeão estadual, o Mengo viveu seu período perfeito: conquistou seu primeiro Brasileirão em 80, ao derrotar o Atlético-MG, e assim se classificou para a Libertadores do ano seguinte. Com Raul, Leandro, Marinho, Mozer e Júnior; Andrade, Adílio e Zico; Tita, Nunes e Lico, não havia quem pudesse com o rubro-negro: nem o Cobreloa na decisão da Libertadores, nem os ingleses do Liverpool, na final da Copa Intercontinental no Japão: com dois de Nunes e um de Adílio, um 3 x 0 implacável fez do Mengo o segundo clube brasileiro após o Santos de Pelé a ser coroado como melhor do mundo. A equipe praticamente se manteve inalterada, e isso era sinônimo de mais conquistas: time nenhum no Brasil podia com o Flamengo, o que ficou comprovado com mais dois títulos nacionais, em 82 e 83.
A saída de Zico para a Udinese, da Itália, poderia ter significado o fim daqueles ótimos tempos. Mas nem o Galinho de Quintino queria que fosse assim, nem as categorias de base do Flamengo permitiriam: em 85, Zico retorna ao Flamengo e capitaneia uma geração brilhante, com Aldair, Leonardo, Jorginho, Bebeto, Zinho e Renato Gaúcho. Poderia ser a geração que conquistou o quarto título brasileiro daquela década, mas a malfadada “Copa União”, com seus módulos verde e amarelo não permitiu que fosse exatamente assim. Oficialmente, para a CBF, o campeão brasileiro daquele ano é o Sport, que não enfrentou nenhuma grande equipe do futebol do País. Foi a última conquista de Zico antes de sua aposentadoria, em 89. Restou, para comandar o time à base de experiência e sabedoria, Júnior: transformado em meio-campista depois de veterano, ele foi a alma por trás da geração de jovens recém-saídos do juvenil que levantou a Copa do Brasil de 1990, ao derrotar o Goiás: Djalminha, Marquinhos, Júnior Baiano, Paulo Nunes, Nélio, Piá...
Com eles todos, mais Gaúcho e o já experiente Zinho, o Flamengo seguiu passo a passo a batuta do maestro Júnior e venceu, agora de forma oficial, seu quarto Brasileirão: um inesquecível 3 x 0 sobre o Botafogo no primeiro jogo – dia em que parte da arquibancada do Maracanã tragicamente desabou – abriu o caminho para o título brasileiro de 92.
O centenário do clube até pareceu dar motivos para comemoração: melhor jogador do mundo na época, Romário foi tirado do Barcelona e chegou a um time que prometia mundos e fundos à torcida. Acabou foi frustrado pelo gol de barriga marcado por Renato Gaúcho para o Fluminense, na vitória por 3 x 2 na decisão do estadual. Em vez de investir no que vinha dando certo há décadas – a formação de um verdadeiro time, parte com contratações, parte com jovens da divisão de base -, o então presidente Kléber Leite insistiu na política do gasto financeiro e dessa vez trouxe Edmundo. Junto com o prata da casa Sávio, aquele supostamente seria o melhor ataque do mundo, mas virou uma das piadas preferidas de todo rival flamenguista. Só no ano seguinte ao do centenário, 1996, é que o Mengo volta a vencer: com Djair, Iranildo e Amoroso, termina o carioca invicto. Entram e saem jogadores, dinheiro é depositado e sacado dos cofres do Flamengo num ritmo alucinante. Assim acabou o mandato de Kléber Leite e de forma parecida começou o do próximo presidente, Edmundo Santos Silva: Rodrigo Mendes, Lê e Reinaldo, revelados na Gávea, dão o título da Copa Mercosul de 1999 ao time, mas um contrato fechado no fim daquele ano com a empresa de marketing esportivo suíça ISL possibilitou a chegada de mais reforços grandiosos para se juntarem a nomes como Athirson e Fábio Baiano.
Alguns tiveram brilho momentâneo, como Edílson, Gamarra e Vampeta, e alguns foram verdadeiros ídolos de um tricampeonato 99/01 que foi fechado com a melhor chave de ouro imaginável: um gol espetacular, de falta, aos 44 minutos do segundo tempo, contra o Vasco. O sérvio Petkovic, que já era querido da torcida, nesse dia virou definitivamente um dos heróis rubro-negros.
Foto: Vipcomm
Petkovic escreveu sua história no Fla
Começou, então, outra fase de sofrimento; este inédito e maior do que nunca: a ISL faliu e deixou o clube órfão de parceiro; Edmundo Santos Silva foi afastado do cargo, acusado de desvio de verba; o Mengo esteve perto do rebaixamento no Brasileirão. Os altos e baixos passaram a ser o padrão: duas finais de Copa do Brasil – 2003 e 2004 – e um título carioca comandado por Ibson, Felipe, Jean e Zinho. Após um ano que se aproximou do desastre no Brasileiro, a segunda Copa do Brasil viria em 2006, quando se destacariam Jônatas, Renato e o já folclórico Obina.
O ano de 2007 parece trazer o conceito de time de volta à Gávea: Leonardo Moura, Renato Augusto, Fábio Luciano, Juan, Souza e companhia são a esperança de, cada vez mais, o Flamengo ter novos dias de sucesso estável e constante. Essa virada culmina com a conquista do hexacampeonato em 2009, capitaneado por Adriano, artilheiro da competição, e Petkovic.
No ano seguinte, com a disputa da Copa Libertadores como objetivo principal, o clube passou a ser comandado pela presidente Patrícia Amorim, a primeira mulher eleita para o cargo na história do Flamengo. A eliminação da competição, a perda do Campeonato Carioca para o Botafogo e problemas fora de campo, como a prisão do goleiro Bruno, acabaram com a esperança de um ano de glórias. Nem Zico, contratado em junho para ser diretor de futebol, resistiu e pediu demissão dois meses depois. O técnico Vanderlei Luxemburgo foi contratado pela terceira vez para dirigir o time e, aos trancos e barrancos, conseguiu se livrar do rebaixamento e ainda a classificação para a Copa Sul-Americana.
A esperança do clube é a reestruturação geral, incluindo a finalização do centro de treinamento e o investimento nas categorias de base. Depois de conquistas consecutivas desde 2006, a torcida voltou a ficar um ano sem festejar. A expectativa é de que o sofrimento não dure além de 2010.
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